Myanmar, antiga Birmânia ou Burma, teve fronteiras fechadas durante décadas, mantendo-se dos países asiáticos com menor número de turistas, menos até mesmo que o vizinho Laos. Isto é reflexo de meio século de ditaduras e atrocidades internas, uma história que segue viva nos dias de hoje.
O sector do turismo começou a abrir-se lentamente em 1992. Só vinte anos depois, em 2012, o número de visitantes finalmente superou 1 milhão. Finalmente, em 2013, o Tourism Master Plan foi lançado, projectando 7.5 milhões de visitas em 2020. Viajar em Myanmar, antiga Birmânia, requer que entendamos a sua história, particularmente no que toca à política. Para te ajudar na preparação para esta viagem inesquecível partilhamos o roteiro que fizemos no país noutro artigo, juntamente com os custos e agora deixamos-te alguns factos e pontos de reflexão sobre Myanmar, país que se mantém na penumbra:
- Em meio século, o país passou por 2 ditaduras militares e por uma das mais longas guerras civis da história da humanidade.
- A segunda ditadura começou em 1988 após umas eleições democráticas que deram a vitória a Ann Suu Kee. Defensora da independência, após vencer as eleições, os militares colocaram-na em prisão domiciliária. Convidaram-na a sair do país para se reunir a família no UK. Recusou. Passou 21 anos reclusa na própria casa e no decurso deste período recebeu o Nobel da Paz pela resistência pacífica contra a ditadura militar birmanesa.
- Oficialmente a ditadura acabou em 2011 e a democracia iniciou uma nova fase em 2015, quando em eleições democráticas a Liga Nacional pela Democracia liderada por Ann Suu Kee sobe ao poder.
- Esta líder assume o comando de Myanmar como Conselheira de Estado, já que está impedida de ser Presidente por ter filhos estrangeiros. Esta é uma nova era para Myanmar. Em conversas com locais perguntam-nos se sabemos quem ela é. Explicam o quanto tem mudado no país. Percebe-se a sua alegria.
- Apesar de actualmente o estado ser democrático, o país mantém uma divisão territorial imposta pelo exército birmanês com áreas brancas e negras (white and black areas).
- Áreas brancas sem conflitos onde os turistas podem circular livremente. Áreas negras com conflitos latentes ou abertos em que os turistas não são autorizados a visitar. Nestas áreas estão confinados os rebeldes dos grupos étnicos com os quais o exército birmanês tem conflito.
- Nestas zonas o exército aplica uma táctica de “4 cortes” de necessidades – comida, informação, financiamento e novos recrutamentos. Varre estas áreas deslocando os civis para outras regiões (ou países) e abatendo indiscriminadamente, não importa se civil, mulher, criança ou idoso. É terra de ninguém.
- O exército birmanês é conhecido pela sua brutalidade. Não mata, tortura até à morte. Não intimida, abusa. Não dá tréguas, ataca pela calada. Mas muitas são as acusações de tácticas idênticas serem usadas pelos grupos rebeldes.
- O facto é que se continuam a plantar bombas terrestres para confinar os rebeldes, continuam-se a manter mais de 200 000 pessoas nos IDP – internally displaced camps, ou seja, campos onde fica quem está internamente deslocado, teve de fugir de casa e a ela não pode regressar. Fora os mais de 700 000 refugiados da etnia Rohingya que tiveram de fugir para o Bangladesh.
- Sobre os Rohingya, o actual governo democrático manifestou desconhecer os conflitos. Então e o Nobel da Paz, questionou a comunidade internacional? No entanto, o silêncio do Estado perante as atrocidades que ainda se cometem levantam a desconfiança sobre o verdadeiro objectivo da luta pacífica travada pela cabeça do governo actual.
- Podemos condenar de imediato Ann Suu Kee. Por outro lado, pode ser que este governo viva entre a espada e a parede e que uma declaração aberta contra os militares fosse nociva para a estabilidade de todo o país. Afinal continua por esclarecer o assassinato de uma figura de topo do governo em 2017.
- Há ainda um terceiro ângulo de reflexão: em que momento Aung San Suu Kyi defendeu mais do que a independência da antiga Birmânia e dos birmaneses enquanto o maior grupo étnico do país? Em que momento ela disse que defendia a igualdade para todas as centenas de etnias deste território? Em que momento assumimos isto? Só o desenrolar dos acontecimentos responderão a estas questões.
Com estes conflitos ainda presentes no Myanmar, é seguro viajar aqui? Sim! Quem venha numa viagem mais curta, viaje de avião e fique em hotéis de categoria média a superior poderá nem se aperceber que neste país ainda se vivem intensas perseguições étnicas, religiosas e raciais. Nas áreas brancas onde circulam os turistas não só não há conflitos, esses ocorrem nas áreas negras, como a criminalidade é baixíssima. Os crimes são punidos com severidade, particularmente se cometidos contra turistas, a pena pode ser desproporcional ao crime em si. No entanto, quando se viaja devagar percebem-se estas tensões quando somos parados nos check points de algumas estradas ou quando alguém nos diz para não comprarmos SIM card de tal companhia porque o dono é muçulmano…
Tens histórias para partilhar sobre o Myanmar? Ou outros factos que possam enriquecer este artigo e ajudar os viajantes? Escreve nos comentários, faremos aqui as actualizações. Este é o nosso P4Kto.